5 de dez. de 2012

MANIFESTO A FAVOR DAS COTAS RACIAIS EM SÃO PAULO



Contra o projeto do Governo de São Paulo, que considera negros estudantes de segunda classe;
Em defesa do PL 530/04
São Paulo, 05 de Dezembro de 2012

São Paulo é o Estado mais rico da república brasileira. É também o que acolhe a maior população negra do Brasil, com cerca de 14,5 milhões de afro-brasileiros/as, 34,6% da população de 42 milhões de paulistas, segundo o IBGE. Só na Capital são 4 milhões de negros/as.
Segundo todos os indicadores socioeconômicos, negros/as ganham menos para as mesmas funções, padecem das piores condições de vida e estão ausentes dos espaços de poder. Ao mesmo tempo essa população, em especial a juventude, é a principal vítima da política de segurança pública do estado, que encarcera, tortura e mata, em uma absurda proporção que apresenta negros com chances 132% maiores de ser assassinados que uma pessoa não negra (Mapa da Violência 2012 – A cor dos homicídios).
Um dos principais espaços de negação da presença negra e reprodutor de desigualdades raciais é, sem dúvida, o ensino superior brasileiro. A histórica decisão do STF, que declarou a constitucionalidade das ações afirmativas e das cotas raciais, em abril de 2012, sacramentou juridicamente esta posição, ao mesmo tempo em que expos, do alto de sua importância política, esse estado de desigualdade e a necessidade das cotas raciais nas universidades.
Diante da permanente reivindicação por cotas raciais em SP, recebemos como negativa surpresa a proposta de Política de Cotas apresentada pelo Governo do Estado através das declarações do reitor da Unesp, Júlio Cezar Durigan, membro do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo (Cruesp), divulgadas em toda imprensa nos últimos dias.
Tal propositura repete um erro da Lei Federal, quando propõe que as cotas para negros incida apenas nos 50% destinado à estudantes de escolas públicas, o que reduz pela metade a justiça de seus números; O mais grave está maquiado na proposta, conforme divulgado pelo folha/UOL em 5/12/12*: “O modelo prevê que esses 50% sejam divididos - 20% das vagas irão para calouros de escolas públicas selecionados para curso superior a distância, preparatório. Os outros 30% seriam preenchidos por meio de ações a serem escolhidas pelas universidades”, que podemos entender da seguinte maneira:
•         Dos 50% de vagas reservadas para estudantes de escolas públicas, 30% serão dirigidas para seleção a partir do critério de cada universidade, obedecendo a lógica do mérito acadêmico, ou seja, haverá uma seleção dos “melhores” estudantes cotistas pré-selecionados para a ocupação direta das vagas;
•         As demais 20% destas 50% de vagas reservadas, serão dirigidas ao “college”, uma espécie de “etapa intermediária” de estudo a distância, de 2 anos, onde os estudantes cotistas com menores notas terão um curso de reforço. Estes seriam promovidos a uma vaga na universidade apenas ao fim deste período “probatório”, caso alcancem média 7 em suas avaliações.
Meritocracia
Cabe lembrar que, como denunciam os movimentos negros há muitos anos e conforme demonstra diversos estudos, reserva de vagas apenas para escolas públicas tende a selecionar os mais “preparados” academicamente destes espaços, e que há uma tendência de a população negra - os mais pobres entre os pobres -, ocupar majoritariamente a faixa destes 20% destinado ao “college”. Ou seja, aos negros será garantido, uma vez mais na história brasileira, o lugar dos “incapazas” ou os de “segunda classe”.
A título de exemplificação da ineficácia deste tipo de medida, desde que a  USP criou, em 2006, o Programa de Inclusão Social da USP (Inclusp), dirigido a estudantes de escolas públicas, apenas 87 alunos negros foram matriculados em cursos como Medicina, Direito e Engenharia até o vestibular de 2011. O número refere-se a 0,9% dos matriculados nessas carreiras, concorridas e prestigiadas. Ainda segundo o jornal: “no processo seletivo 2012, a Universidade de São Paulo matriculou 28% de alunos vindos de escolas públicas. No ano anterior, esse índice foi de 26% – o que refletiu na inclusão de 2,8% de pretos e 10,6% de pardos, totalizando 1.409 alunos com esse perfil [dentre 10.652 vagas oferecidas naquele ano pela universidade, segundo dados da Fuvest]”. As afirmações mostram que no caso das grandes universidades públicas do estado de São Paulo, políticas afirmativas de caráter mais enérgico são necessárias para mudanças estruturais num curto período de tempo. *
Preconceituosa e equivocada, a proposta reincide na ideia – matéria vencida no STF, de que estudantes cotistas, defasados que chegam, podem diminuir a qualidade das universidades. Ora, está mais que provado, nesses quase 15 anos de experiência de implementação desta política, que alunos cotistas têm igual ou maior notas quando comparados aos que acessam pelo método tradicional.
Sob o falacioso argumento da meritocracia, as universidades públicas paulistas elaboram sistema seletivo que muito longe de selecionar os melhores alunos, na verdade elege aqueles que gozaram de maior financiamento. Ao contrário do que se faz pensar, esses vestibulares não verificam a capacidade do aluno acompanhar o curso. Em verdade, trata-se de simples processo de eliminação, que considera fundamentalmente o critério econômico. Em resumo, selecionam-se os alunos mais abastados. Grande parte do conteúdo exigido nos vestibulares não é oferecido sequer pelos colégios particulares medianos, menos ainda por escolas públicas. De maneira que estudantes, a medida de suas possibilidades, buscam preparação em Cursinhos para “aprenderem” técnicas para aprovação nas provas. Os resultados são conhecidos: Salvo raras exceções, apenas aqueles que podem ser financiados por um ou vários anos acabam aprovados nesses vestibulares.
Ainda quanto a reflexão sobre o papel da “meritocracia” enquanto um “Deus” justificador do acesso aos espaços acadêmicos, observamos a importante contribuição do ministro do STF Marco Aurélio:
“(...) Quanto ao artigo 208, inciso V, há de ser interpretado de modo harmônico com os demais preceitos constitucionais. A Cláusula “segundo a capacidade de cada um” somente pode fazer referência a igualdade plena, considerada a vida pregressa e as oportunidades que a sociedade ofereceu às pessoas. A meritocracia sem ‘igualdade de pontos de partida’ é apenas uma forma velada de aristocracia.”
Trecho do voto do ministro do STF Marco Aurélio, sobre constitucionalidade das cotas, em 25 de Abril de 2012.
Autonomia Universitária
Sob a justificativa de respeito a “Autonomia Universitária”, o governo de São Paulo jamais ouviu ou sequer respondeu as tentativas de diálogo junto ao movimento negro e movimentos sociais no sentido de construir políticas de estado que efetivassem o direito do acesso de negros/as às universidades paulistas. A postura abertamente contrária a política de cotas para negros tanto do executivo quanto das reitorias fez de São Paulo o estado da federação mais atrasado no que diz respeito a diminuição das desigualdades raciais. USP, UNESP, UNICAMP e FATEC’s, ao contrário de Universidades Públicas de outros estados, promoveram tímidas – para não dizer nulas - iniciativas no sentido de provocar maior acesso de negros e pobres aos bancos universitários. Pode-se afirmar que, no quesito acesso de negros/as, a “Autonomia Universitária” tem sido utilizada pelas Universidades Públicas Estaduais de SP para manter o privilégio branco. Neste contexto, é importante a lembrança do pronunciamento do STF, quando dojulgamento da Ação Direta de Constitucionalidade nº 51, nos seguintes termos:
Não suponha que a autonomia de que goza a Universidade a coloque acima das leis e independente de qualquer liame com a administração, a ponto de estabelecer-se que na Escolha do Reitor sequer participe o Chefe do Poder Executivo, que é o Chefe da administração pública federal, ou que o Reitor seja elegível, uma ou mais vezes, ou que seja eleito por pessoas a quem a lei não confere essa faculdade.
De resto, na própria Constituição se podem encontrar preceitos que auxiliam a modelar o alcance da autonomia assegurada à Universidade.
[...]
De modo que, por mais larga que seja a autonomia universitária – “didático-científica, administrativa e de gestão financeira patrimonial” –, ela não significa independência em relação à administração pública, soberania em relação ao Estado.
[...]
A autonomia, é de evidência solar, não coloca a Universidade em posição superior à lei. Fora assim e a Universidade não seria autônoma, seria soberana. E no território nacional haveria manchas nas quais a lei não incidiria, porque afastada pela autonomia. (destacamos)
(Supremo Tribunal Federal, ADI nº 51-RJ, Relator  Min. PAULO BROSSARD, Tribunal Pleno, julgado em 25/10/1989, DJ 17-09-1993 PP-18926 EMENT VOL-01717-01 PP-00001).
Assim, a instituição do sistema de cotas diretas e sem etapas intermediárias, em nada fere a autonomia universitária; pelo contrário a prestigia, vez que a insere nos limites da ordem constitucional.
Da legitimidade do Movimento Negro e dos Movimentos Sociais
Nós, membros do movimento negro, movimentos sociais, ong’s, artistas e intelectuais há anos reivindicamos uma política séria e consequente que garanta o acesso de negros/as e pobres nas universidades públicas paulistas; Diversos parlamentares, vinculados a diferentes partidos, já apresentaram na ALESP – Assembleia Legislativa do Estado de SP, projetos de Cotas Raciais; Departamentos internos às universidades, bem como grande parte de suas comunidades acadêmicas já manifestaram apoio à implementação de cotas raciais diretas; Atos Públicos, Seminários, Audiências Públicas e até reuniões oficiais junto a Conselhos Universitários foram promovidas. Tudo no intuito de sensibilizar o Governo Estadual e as Reitorias para a promoção do acesso de negros/as nessas universidades.
Não aceitaremos subterfúgios. Vários estudos apontam que a adoção de COTAS RACIAIS diretas e imediatas é o único meio capaz de mudar o perfil elitista das universidades públicas em curto espaço de tempo. O governo estadual, reitorias e algumas Ong’s (que não falam em nome da esmagadora maioria da comunidade negra e dos trabalhadores organizados), não tem legitimidade para formular políticas de ação afirmativa e cotas, sem considerar o histórico de lutas e formulações construídas pelos movimentos sociais nestes anos todos.
Defendemos uma política de ação afirmativa e cotas para negros nas universidades paulistas nos moldes do PL 530/04, que há 8 anos tramita na ALESP, objeto o qual já foi alvo de intensos debates, acordos suprapartidários e audiências públicas, a última realizada em 22 de maio de 2012, quando estiveram presentes, além parlamentares e de movimentos populares, representantes da USP, UNESP e UNICAMP.
E é em nome da justiça, ainda que tardia, no que se refere ao acesso de negros nas Universidades públicas de SP, nós, organizados na Frente Pró Cotas Raciais de SP e solidários, abaixo assinados, EXIGIMOS:
•         Contra a proposta de “cotas maquiadas”, do Governo de São Paulo e Reitorias, que considera negros estudantes de segunda classe;
•         Por uma política de estado que efetive cotas raciais nas universidades públicas paulistas, diretas, sem etapas intermediárias e que incida sobre 100% das vagas disponíveis;
•         Pela abertura de uma rodada de diálogo entre governo, reitorias e movimento negros e movimentos sociais que realmente representam a sociedade civil organizada. A construção das políticas de cotas devem ser em conjunto com a sociedade civil e os grupos diretamente interessados!
•         Pela defesa do PL 530/04, em trâmite na ALESP há mais de 8 anos;
* Fonte Folha/Uol: (http://www1.folha.uol.com.br/educacao/1196132-alckmin-deve-aprovar-proposta-de-adocao-de-cotas-por-universidades-de-sp.shtml

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